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Suicídio e Internet

Atualizado: 14 de fev. de 2022


O tema do suicídio e da internet tem sido alvo de um crescente debate na comunidade científica da suicidologia e na opinião pública. Tal debate gira sobretudo em torno das questões morais e éticas da livre circulação da informação no que concerne ao tema do suicídio.


De facto, os estudos científicos nesta matéria apontam para a existência, desde a década de 90 do século passado, de cerca de 100.000 sites que abordam o tema do suicídio. O conteúdo destes sites é muito diversificado, tocando as receitas para cometer um suicídio eficaz, o incitamento ao suicídio, o debate filosófico e religioso sobre a morte voluntária até aos sites de associações científicas que fornecem informações técnicas e se dedicam à prevenção online do suicídio.


Para além destes sites, existiu o fenómeno dos blogs que se dedicavam ao debate do tema do suicídio e, numa época mais contemporânea, a questão da circulação e da troca de informação nas redes sociais. Nestes contextos são muitas vezes colocados posts que vão desde a clássica questão: Quero suicidar-me! Qual é o melhor método? e também todo um conjunto de opiniões e de conselhos sobre a melhor forma de terminar com a vida. É preocupante que nestes fóruns exista toda uma partilha de informações sobre os métodos para cometer suicídio e, para além disso, um incitamento tácito ou explícito ao suicídio. Acresce ainda o facto que muitos destes fóruns vedam a participação de pessoas que pretendem colocar mensagens de ajuda.


Para além destes fóruns específicos, onde muitas vezes as pessoas fazem diários da sua jornada suicidária, existem fóruns não temáticos onde as pessoas colocam mensagens suicidárias. Nestes casos, o tipo de posts afixados já é mais variável, indo desde o incitamento à morte até a mensagens que visam ajudar a pessoa em sofrimento (e.g., procura a ajuda de um médico ou de um psicólogo, fala com alguém, dirige-te ao hospital mais próximo).


Outro fenómeno recorrente é o uso da internet para fazer pactos suicidários. Neste contexto, as pessoas conhecem-se online, trocam informações sobre métodos de suicídio e acabam por fazer pactos de morte, em que decidem morrer no mesmo dia ou encontrarem-se pessoalmente para consumar a sua intenção suicidária.


Apesar desta realidade, não devemos diabolizar a internet. È certo que a informação circula de forma livre e o seu acesso é muito fácil. Contudo, não podemos esquecer que ao inserirmos a palavra suicídio num motor de busca, esta remete-nos também para sites de instituições que se dedicam a prevenir o suicídio e que disponibilizam aconselhamento gratuito e imediato. Neste sentido, muitas vidas também são salvas por esta disponibilidade e acesso fáceis.


No entanto, não podemos escamotear a realidade da rapidez do acesso à informação sobre métodos suicidários. Esta é real e preocupante. Contudo, temos de assumir com rigor que as informações sobre suicídio sempre circularam na sociedade. Por exemplo, sempre existiram e existirão fenómenos de imitação. Desde a clássica epidemia de suicídio juvenil em 1774, desencadeada pela publicação da obra de Goethe “Os sofrimentos do jovem Wherter” até aos suicídios contemporâneos desencadeados pela morte do ícone da música grunge Kurt Cobain.


Neste sentido, a sociedade de informação, internet incluída, mas também a televisão, rádio e imprensa escrita têm responsabilidades na forma como abordam o tema da morte voluntária. Assim, foi criado pela Organização Mundial de Saúde um guia sobre o modo como a comunicação social deve transmitir notícias sobre suicídio que muitas vezes é desconhecido ou alvo de pouco interesse.


Mas na internet não existem guias, poderão perguntar-nos? É certo que a amoralidade reina, mas tal facto é comum a muitos outros temas que são sensíveis do ponto de vista social. Como se combate a hiperealidade do hipertexto da morte? Pensamos que mais do que com a condenação legal, que é necessária se existir um claro incitamento ao suicídio, é fundamental uma reflexão que potencie uma cidadania activa e esclarecida. Com isto, mais do que o habitual lugar comum da discursividade social que todos podemos ter sobre estes temas, alertamos para a necessidade de se criar um contexto em que não fechemos a porta ao sofrimento, em que nos empenhemos em ser solidários com os que pensam e tentam a morte. Fazê-lo é assumir que o suicida não quer apenas morrer, mas sobretudo equacionar uma vida em que a sua história não se resuma a um fragmento negro e sem esperança.



Foto: Pedro F./2018


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