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Comportamentos Autolesivos e Jovens LGBT

Atualizado: 14 de fev. de 2022

Os primeiros estudos sobre comportamentos autolesivos na população LGB (Lésbica, Gay e Bissexual) surgiram no final dos anos 80 do século XX e foram efectuados com base em pequenas amostras de jovens gays e lésbicas que procuravam ajuda em associações LGBT, grupos de apoio ou em abrigos comunitários. Os trabalhos desta época referiam que os jovens gays tinham 2 a 3 vezes mais probabilidade de tentar o suicídio do que outros jovens e que cerca de 30% dos suicídios na adolescência seriam de jovens gays (Russel, 2003).


A partir de 1990 surgiu uma nova geração de estudos sobre o risco de suicídio na população LGB. Embora estes estudos tenham procurado incluir amostras mais representativas, persistem alguns enviesamentos a este nível, tais como o facto destas amostras serem compostas quase sempre por jovens provenientes de contextos de apoio social ou clínico, ou pela ausência de uma comparação dos resultados obtidos com populações heterossexuais. Apesar destas limitações, é importante referir que alguns destes estudos encontraram valores bastante significativos de tentativas de suicídio em jovens LGB, entre 30% e 42% (Remafeldi, Farrow & Deisher, 1991).


Estes trabalhos destacam também a relação entre tentativas de suicídio e variáveis como a presença de comportamentos de género considerados atípicos, a adopção de uma identidade homossexual numa idade mais precoce, a existência de uma exteriorização a mais pessoas, a perda de amizades na sequência dessa exteriorização e a vitimização devido à orientação sexual (Hershberger, Pilkington & D’Augelli, 1997).


Noutra linha de estudos existe já uma comparação entre a prevalência de comportamentos autolesivos em jovens LGB e jovens heterossexuais. O trabalho de Remafeldi, French, Story, Resnick e Blum (1998), por exemplo, mostra que a prevalência de tentativas de suicídio é claramente superior nos jovens LGB (28.1% nos rapazes homossexuais/bissexuais; 20.5% nas raparigas homossexuais/bissexuais) do que nos seus pares heterossexuais (14.5% nas raparigas heterossexuais; 4.2% nos rapazes heterossexuais).


Estes dados são corroborados por estudos mais recentes e que envolvem amostras mais amplas. Wichstrom e Hegna (2003), num estudo efectuado com 2942 estudantes do ensino secundário,) mostram que os jovens LGB apresentavam quatro vezes mais tentativas de suicídio do que os seus pares heterossexuais (15.4%, vs. 3.6%).


Acrescentando a estes estudos os resultados do relatório efectuado pelo Suicide Prevention Resource Center (2008), sabemos que os jovens LGB têm:


- 1.5 a 3 vezes mais probabilidade de apresentar ideação suicida do que os jovens heterossexuais;

- 1.5 a 7 vezes maior probabilidade de ter efectuado uma tentativa de suicídio;

- que uma exteriorização precoce expõe estes jovens a um maior risco;

- mais factores de risco, como falta de apoio familiar e escolar, depressão e abuso

de substâncias.


Em relação à população de transexuais e transgéneros, os estudos são muito mais raros, tendo em conta a sua invisibilidade mesmo dentro da comunidade LGBT e o facto de muitas destas pessoas se encontrarem em situações sociais particularmente desprotegidas.


Num dos primeiros estudos realizados sobre este tema com pessoas transexuais/transgéneros de várias idades, Clements-Nolle, Marx, Guzman e Katz (2001) verificaram que cerca de um terço destas pessoas já tinha efectuado pelo menos uma tentativa de suicídio. Um estudo posterior, realizado com esta mesma amostra, constatou que as tentativas de suicídio nesta população se associavam a uma faixa etária mais nova (menos de 25 anos), depressão, história de tratamento por abuso de substâncias psicoactivas, situações de sexo forçado, discriminação com base no género e vitimização (Clements-Nolle, Marx & Katz, 2006).


Mais recentemente, foram entrevistados 55 jovens transgéneros, tendo-se verificado que 45% já tinha pensado seriamente em suicidar-se e 26% já tinha efectuado tentativas de suicídio. A maioria destes jovens que efectuaram tentativas de suicídio tinham vivido situações de abuso verbal e físico por parte dos pais, e apresentavam uma menor satisfação com o corpo, com o peso e com as avaliações que os outros faziam do seu corpo e da sua aparência (Grossman & D’Augelli, 2007).


Acrescentando a estes dados as indicações do relatório do Suicide Prevention Resource Center (2008), pode concluir-se que os jovens transexuais/transgéneros apresentam um elevado risco de suicídio e falta de factores protectores para minimizar o comportamento suicida. Acresce ainda que o grau de rejeição e de violência física e verbal por parte dos seus pais é claramente superior ao dos seus pares LGB.


Tendo em conta este conjunto de dados, é possível afirmar de forma inequívoca que a prevalência de comportamentos autolesivos em jovens LGBT é muito maior do que na população heterossexual, sendo necessário ter em conta factores de risco específicos como a discriminação, vitimização, rejeição dos pais, rejeição dos pares e rejeição social em geral.


Assim, é de particular importância recordar algumas das medidas do Plano Nacional de Prevenção do Suicídio (2013/2017) para tentar minimizar a prevalência dos comportamentos autolesivos nesta população e para estruturar as respostas clínicas e comunitárias adequadas, nomeadamente:

- a identificação dos factores de risco de suicídio/factores protectores na população portuguesa de jovens LGBT;

- efectuar um treino especializado dos técnicos (de saúde, sociais e escolares) para o reconhecimento dos factores específicos das vidas das pessoas LGBT;

- articular os técnicos (de saúde, sociais e escolares) com as associações provenientes da comunidade LGBT;

- promover na sociedade civil o acesso à informação sobre as questões LGBT;

- fornecer às famílias informação adequada e apoio especializado com vista à aceitação dos jovens LGB após a revelação da sua orientação sexual e dos jovens transexuais/transgéneros em processos de transformação da identidade de género.

Referências Bibliográficas


Carvalho, A., Bessa Peixoto, A. Saraiva, C., Sampaio, D., Amaro, F., Santos, J. C., Santos, J., Santos, J. H., Santos, N., Guerreiro. D., Firmino, H., Santos, I., Paulino, M., Xavier, M., Frazão, P., & Gomes, S. (2013). Plano Nacional de Prevenção do Suicídio (2013-2017). Direcção Geral da Saúde, Programa Nacional de Saúde Mental, Portugal.


Clements-Nolle, K., Marx, R., Guzman, R., & Katz, M. (2001). HIV Prevalence, Risk Behaviors, Health Care Use, and Mental Health Status of Transgender Persons: Implications for Public Health Intervention. American Journal of Public Health. 91(6):915-21.


Clements-Nolle, K.; Marx, R., & Katz, M. (2006). Attempted Suicide among Transgender Persons: The Influence of Gender-Based Discrimination and Victimization. Journal of Homosexuality. 51(3):53-69.


Grossman, A. & D’Augelli, A. (2007). Transgender Youth and Life Threatening Behaviors. Suicide and Life Threatening Behavior.37(5):527-37.


Hershberger, S., Pilkington, N., & D’Augelli, A. (1997). Predictors of Suicide Attempts Among Gay, Lesbian, and Bisexual Youth. Journal of Adolescent Research.12(4):477-97.


Remafeldi, G., Farrow, J., & Deisher, R. (1991). Risk Behaviors for Attempted suicide in Gay and Bisexual Youth. Pediatrics.87(6);869-75.


Remafeldi, G., French, S., Story, M., Resnick, M., & Blum, R. (1998). The Relationship between Suicide Risk and Sexual Orientation: Results of a Population-Based Study. American Journal of Public Health.88(1):57-60.


Russel, S. (2003). Sexual Minority Youth and Suicide Risk. American Behavioral Scientist, 46(9):1241-57.


Suicide Prevention Resource Center (2008). Suicide risk and prevention for lesbian, gay, bisexual, and transgender youth. Newton, Education Development Center, Inc.


Wichstrom, L. & Hegna, K. (2003). Sexual Orientation and Suicide Attempt: A Longitudinal Study of the General Norwegian Adolescent Population. Journal of Abnormal Psychology.112(1);144-51.

Foto: Pedro F./2011


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